quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Que se perca toda falsa intuição

Que se perca toda falsa intuição
As certezas são, acaso, uma cilada?
Na verdade de qualquer afirmação
Pode haver uma premissa equivocada

Todo olhar esperançoso é ilusório
Cada vulto do futuro é assombroso
Todo estado nesta vida é transitório
E o passado já me soa duvidoso

Que se perca toda reles profecia
De um depois que não é mais do que miragem
De um instante que se afasta todo dia
Ilusória e cruel é esta imagem

Que simula mil anseios num momento

E transforma a expectativa em lamento.

(Yvanna Oliveira)

domingo, 21 de abril de 2013

O homem simples

Ilustração de Edi Guedes

O homem simples chora
E morre um pouco a cada dia
Com a carne que vira carcaça
Com a ave que prenuncia
A morte e o mau agouro
O fim de tudo que se crê

O homem simples chora
E morre um pouco a cada dia
Na lágrima que escorre seca
Na face rachada, suada
Na nuvem que é só de poeira

O homem simples se assombra
Ecoam no infinito suas preces
Pois pede aos céus que se apresse
Aos santos e a virgem Maria
Erguendo os olhos ao alto
Em paz com a sua agonia
Constata e escapa uma lágrima
Há um céu maior que deus
Há um céu sem sombra outro dia.

(Yvanna Oliveira)

quarta-feira, 27 de março de 2013

Necrófagos





O bando de urubus espreita, friamente
o que sobra de carne por entre os ossos do gado
o bando de urubus sobrevoa
pacientemente
sobre a relva espinhosa do pasto
o bando sedento e em silêncio
fareja a carcaça seca
na paisagem laranja que treme.

Beirando aquele caminho
o fim do meio dia revela
o bando de urubus que já vela
a morte que tarda a chegar.

(Yvanna Oliveira)


Fotografia de Cláudio F. Lima. http://olhares.uol.com.br/urubus-foto3463383.html

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Quando a música deixar de ter sentido



Quando a música deixar de ter sentido
E nem o som do silêncio for sincero
Quando as contas dos terços, os mistérios
Acumularem-se em preces inaudíveis
Quando o brilho, a luz do dia não pintar
E a noite for sem manto estrelado
Quando o choro for sempre abafado
Pelos alardiantes estampidos
Quando todos propagarem inimigos
E apontarem dedos sujos a outras faces
Quando dentre dez mil homens
Existirem mais covardes
Que o joio que se mistura ao trigo
Quando navegar não for mais tão preciso
Quando o barco seguir sem despedida
Quando a namorada não sorrir, bonita
Finalizando a espera demorada
Quando o beijo intenso e apaixonado
Só viver nos versos da poesia
Quando não se ouvirem mais bons dias
Do velho caminhante que segue a estrada
Quando não houver mais borboletas
Com seus braços coloridos a se abrirem
Quando a flor desabrochar sem cintilância
Ou pior, quando os ipês não mais florirem
Quando a utopia no horizonte não for bela
Quando bombardearem as primaveras
E as pétalas choverem mortas, murchas
Quando outonos misturarem-se aos invernos
Quando o mundo parecer mais um inferno
A arder e congelar em seus mil círculos.
Quando todos sentimentos forem breves
E viver a ninguém emocionar
Quando nada nesta vida for sagrado
Pedirei a Deus que, por favor, me leve.

(Yvanna Oliveira)

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Ouça-me


Ouça-me com atenção e com apreço
Os apelos mais tolos que eu fizer
Ouve os sussurros da tua mulher
Pois só de indiferença é que eu padeço.

Importe-se comigo do começo
Às últimas palavras que eu disser
E ainda se em silêncio eu estiver
Me tenha o amor e o zelo que eu mereço.

Eu quero a cada sol o teu bom dia
Mas tua ausência, a tua apatia
São golpes na penumbra a me ferir.

É triste a voz do amor que silencia
Mortal o eco de melancolia
Da palavra que não se faz ouvir.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

A confissão [1]


Seguira o ensinamento, matou sem sentir ódio. Por isso se sentia diferente das outras tantas que ocupavam aquela cela.

“Aquelas putas estavam presas pelas infâmias mais desprezíveis. Uma delas tinha deixado o filho de três anos na boca enquanto trepava com o chefão de lá...  Vê se pode! Quando a polícia invadiu o local não deu outra, vadia na cadeia e criança no abrigo. Outra sentiu tanta inveja quando descobriu na gaveta de cuecas o presente caríssimo que o marido comprou para amante que fez do safado pedacinhos, ‘a sala da casa parecia um matadouro de beira de esquina e o meu marido o mais idiota dos touros desossados’, confessava ela envaidecida ao narrar o fatídico.

Comigo não. Comigo foi diferente. Acordei naquela manhã de domingo decidida a por em prática o ensinamento, a imundície não está em matar, em ceifar a vida do outro, a imundície está em deixar-se dominar pelo ódio. Eu amava o filho da mãe e de tanto amor decidi: o último suspiro seria de alívio, de excitação. Passei a manhã inteira entretida na premeditação de cada segundo, nas possibilidades de descoberta, nos limites das dores, no sorriso que ele daria ou na lágrima que eu veria escorrer. Pensei não só nos detalhes instrumentais, na arma do crime, no modo de usá-la ou mesmo no local mais adequado para guardá-la nos momentos antes da execução, pensei, sobretudo, no lado emocional daquele instante que se aproximava mais e mais.

À noite, quando o recebi em minha casa já estava com cada passo (dele e meu) traçado. Já havia escolhido a música, já havia posto a mesa do jantar. Tudo transcorreu como pensei, conversa agradável e muita paquera nos nossos olhares. Pela madrugada, depois que deitamos juntos sobre os lençóis de seda de minha cama, entre suor e saliva, entre êxtase e alívio, chegara o momento. O meu abraço apertado controlava o tremor do corpo dele, enquanto eu pegava de um jeito discreto a arma guardada propositalmente dentro do travesseiro. O orgasmo dele foi aliviado com um estampido abafado. Debruçou-se para trás. Morreu feliz.

A nossa aliança estava feita, apenas por formalidade coloquei um anel no dedo anelar dele e outro no meu. Acendi um cigarro, depois outro, depois outro, e fiquei ali sentada no chão do quarto esperando a lua despedir-se do céu enquanto eu, na companhia suave e silenciosa do meu homem, pude sentir o pensamento vazio e uma paz imensurável.  Disseram que eu enlouqueci, me divirto com essa concepção sobre a minha lucidez. Não havia ódio, sequer raiva, havia amor, sublime e pleno amor. Recuso-me todas as manhãs de narrar as sequências de fatos e os motivos do meu ato. Aquelas putas  não iriam entender.”



[1] Transcrição nº** do áudio de uma entrevista concedida pela maritricida ***, no ano de 20**,  em tratamento no manicômio judiciário  ***.


(Yvanna Oliveira)
entreprosaepoesia.blogspot.com.br

domingo, 13 de janeiro de 2013

Mergulho



Os meus olhos estão aqui: mergulhe!
No mar de mim que é feito do que é nosso
Das nossas horas guardo o que posso
E tanto tenho aqui de que me orgulhe

Olhares de nós dois e tantos toques
As mãos, a voz e doces melodias
Amo-te cada vez mais com euforia
Sorrisos seus já vi de mil enfoques

E sempre e tudo eu hei de ter guardado
Memórias de nós dois no mais profundo
No mar de mim tesouro - o mais dourado

Verá a ti e a mim: o nosso mundo
E o sorriso que estará estampado
De um sentimento puro é oriundo.

Quando não posso encontrar a tua mão


Quando não posso encontrar a tua mão
E os teus olhos não se cruzam mais com os meus
Quando sinto ecoar o som do adeus
A partida me estremece o coração.

Eu não sei quanto de mim que me pertence
Qual a parte de minh'alma que é só tua?
Se me vejo caminhando pela rua
Num reflexo me procuro e o que eu pense

Qualquer coisa que me venha ao pensamento
Me persegue com teus beijos e o sorriso
Então vejo: sou um ser que hoje é diviso

Mas me escuso de maiores argumentos
Te amar é minha paz e é meu tormento
Não há muito que entender, isto é conciso.


Yvanna Oliveira


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Superficialidade


É hora de deixar que a tua máscara
E o riso inconsistente que te sobra
Fazendo acreditar que toda obra
De Deus ou do diabo é uma farsa.
É hora de saber: isto não basta
O intuito, a insistência em ser perfeita
Achando que não deixa nem suspeita
De toda sordidez que lhe perpapassa.
As flores dos teus olhos murcham fácil
As dores dos teus ódios transbordaram
E muitos, quase todos, já reparam
Que o riso, leve, sempre soa falso.
Para que vir forjar esta humildade
Se em tua arrogância há mais verdade?

 Yvanna Oliveira





Às mães dos ausentes


Então, as mães sentam-se sob as mangueiras
E contam histórias heroicas de aventuras
A seus filhos ausentes

As nuvens de carneirinhos
Sorriem, desenham no céu
Cambalhotas desajeitadas
Rosas e botões dão-se as mãos
Em folhas que camuflam espinhos
Em tudo o colo e o cuidado
Bendito o fruto aveludado que alimenta
Bendito ventre que dá vida

Ausentes dos que não nasceram
As mães lamentam não poder voar
Enquanto balançam-se sob as grandes asas
De mangueiras que sombreiam os parques e os pais
Cujos filhos sorriem os primeiros passos
Feito aves que ensaiam vôos.

Yvanna Oliveira