domingo, 29 de abril de 2012

Reflexos


Quando a luz se apaga
e o frio da noite toca-me a pele
sinto meus pés descalços
caminhando sobre as pontas
no labirinto que há em mim
ouço óperas melodramáticas
ora acordes, ora vozes
choro e sorrio com os espelhos
ando numa plataforma deles
e os vejo refletidos nas paredes
-não se pode fugir-
milhares de mim se espalham
 e olham intrigadas outras milhares.

Um comentário:

  1. "(...)Como nos sonhos,
    atrás do rosto que nos contempla não há ninguém.
    Anverso sem reverso,
    moeda de uma única efígie, as coisas.
    Essas misérias são os bens
    que o precipitado tempo nos deixa.
    Somos nossa memória,
    somos esse quimérico museu de formas inconstantes,
    essa pilha de espelhos rotos."

    (J.L.Borges)


    LABIRINTO

    Não haverá nunca uma porta. Estás dentro
    E o alcácer abarca o universo
    E não tem nem anverso nem reverso
    Nem externo muro nem secreto centro.
    Não esperes que o rigor de teu caminho
    Que teimosamente se bifurca em outro,
    Que teimosamente se bifurca em outro,
    Tenha fim. É de ferro teu destino
    Como teu juiz. Não aguardes a investida
    Do touro que é um homem e cuja estranha
    Forma plural dá horror à maranha
    De interminável pedra entretecida.
    Não existe. Nada esperes. Nem sequer
    A fera, no negro entardecer.

    (J.L.Borges)

    ************************************************

    Fiquei assombrado ao ler "Reflexos" pela primeira vez...

    Perdoe-me a comparação,Poeta. Mas ao ler o teu poema tão cheio do simbolismo e do arquétipo do "ser perdido em si mesmo", do qual Jung analisára e J.L.Borges tanto apreciava.

    A comparação que faço é apenas quanto ao tema abordado pelos dois Poetas e não quanto ao estilo, tão diversos que são.

    Foi quase inevitável lembrar daqueles dois autores, principalmente Borges que tanto escreveu sobre labirintos e espelhos, sua metáfora favorita para esta experiência do vagar perdido em um labirinto da própria mente: o inconsciênte. O sonho.

    Encerramos uma besta num labirinto de mil voltas, mas de vez enquando queremos olha-la de perto, esta besta é o que Jung chamou de sombra (nossos eus reprimidos) e o labirinto é a nossa própria mente, nossa prisão, da qual não podemos fugir.

    O espelho, que nos mostra mais do que a nossa própria imagem, nos revela todos os dias aqueles eus que somos e os eus que não queremos ser...

    Um labirinto feito de espelhos que refletem outros milhares de espelhos e "multi-refletem" outros milhares de eus.

    Nos sonhos somos inquestionavelmente múltiplos, e nos espanta a nossa multiplicidade quando estamos despertos. Pois como disse a Poeta

    "-não se pode fugir-
    milhares de mim se espalham
    e olham intrigadas outros milhares."

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